Tradição é sinônimo de correto? Temos mesmo que nos adaptar aos padrões?
Girafas no Presépio é o primeiro conto da nossa série Especial de Natal, escrito por Adah Conti, ilustrado por JP Martins e distribuído em primeira mão aqui no Contos Iradex. Embarque nessa leitura.
Girafas no Presépio
A família é grande e se reúne todo Natal. As crianças sabem que vai ter comida boa, talvez até o bolo de trigo, preparado pela tia Nina, se a artrite permitir. Elas poderão ficar acordadas até tarde e sair na rua mesmo depois de escurecer, para ver o movimento e as luzinhas iluminando as casas da vila.
Não vai ter presente como nas outras casas. Nem Jesus no presépio.
A família não comemora o nascimento de deuses ou messias. Isso é o que o tio Lucca fala. As crianças não tem ideia do que é um messias, mas não se importam. Comer doce de noite e ficar na rua já é bastante satisfatório. Nem a nona, que acredita no Deus Jesus e reza com o colar da cruz e das bolinhas, se importa. Mas toda família tem um do contra e nessa família tem a Luciana.
Naquele ano, a Luciana passou dias e dias perturbando os adultos pela falta dos presentes e do presépio. Tanto perturbou que a decisão foi tomada. As crianças ganhariam presentes e poderiam montar o presépio. Só havia uma condição: ir com a nona na missa do galo. As crianças não entenderam o galo e nunca tinham ido à uma missa, mas aceitaram em coro.
Na noite daquele Natal, o Papai Noel deixou presentes na casa da família e as crianças montaram um presépio com as imagens de Jesus, Maria e José que a nona tinha e com uns animais de plástico resgatados de uma caixa de brinquedo antiga. Tinha cavalo, girafa e rinoceronte. E um lago de espelho com patinhos. A nona explicou que o Deus Jesus gostava de animais e nasceu no meio deles.
Foi difícil fazer tantas crianças ficarem acordadas para a missa, que só seria a meia noite, mas trato é trato e lá se foi toda família para igreja da avenida, para o espanto dos vizinhos. Na escadaria da frente, alguns mendigos com feridas expostas, uma mulher com duas crianças em farrapos e o louco Manoel, conhecido do bairro. Dentro da igreja, meia luz, bancos de madeira, imagens douradas de santos e a imagem de Jesus pregado e sangrando na cruz. O padre falou e falou, mas as crianças não entenderam muito.
A família é grande e a reunião do Natal continuou por muitos anos seguintes. Mas ninguém mais falou em presentes, em presépio ou em igreja. Nem mesmo a Luciana.
Esse conto foi escrito por Adah Conti para o Contos Iradex e ilustrado por JP Martins.
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